Mensagem do Papa Francisco para o encontro com instituições e Organismos de ajuda à América Latina

Querido Cardeal Robert Prevost,
Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina (CAL),
queridos responsáveis pelas intituições e organismos de ajuda à Igreja na América Latina

Tenho o prazer de me dirigir a vós neste encontro com as instituições e organismos de ajuda que esta Pontifícia Comissão promove. Gostaria de expor a minha reflexão sobre o tema da gratuidade , que vejo refletido nas linhas do programa que Sua Eminência teve a gentileza de me transmitir.

Quando fazemos um esforço, como no caso das ajudas destinadas à Igreja na América Latina, é natural que pretendamos um resultado. Deixar de o obter poderia considerar-se um fracasso ou, pelo menos, dar-nos a sensação de que trabalhamos em vão. Mas semelhante noção pareceria ser contrária à gratuidade, que evangelicamente se define como dar sem esperar nada em troca (cf. Lc  6, 35). Como conciliar estas duas dinâmicas?

Para aprofundar a questão, talvez seja útil dar um passo atrás, concentrando-nos no que Jesus nos pede e no que o Evangelho nos diz, procurando perguntar-nos, como faria um jornalista: quem dá? O que dá? Onde dá? Como dá? Quando dá? Por que dá? Com que finalidade dá?

Em resposta à primeira pergunta — quem dá? — a Escritura explica-nos que o que damos não é mais do que aquilo que recebemos gratuitamente (cf. Mt  10, 8). Deus é Quem dá, nós somos apenas administradores de bens recebidos, por isso não nos devemos vangloriar (cf. 1 Cor  7, 4), nem exigir uma recompensa maior do que o nosso salário (cf. 1 Tm  5, 18), assumindo humildemente a responsabilidade que este dom exige de nós (cf. Mt  25, 14-30).

Quanto à segunda pergunta — O que nos dá o Senhor? — a resposta é simples: deu-nos tudo. Deu-nos a vida, a criação, a inteligência e a vontade de ser donos do nosso destino, a capacidade de nos relacionarmos com Ele e com os irmãos. Além disso, deu-se a nós infinitas vezes: fazendo-nos à sua imagem, capazes de amar, dando-nos provas do seu amor no decurso da História da Salvação, no dom de Cristo na cruz, na sua presença no sacramento da Eucaristia, no dom do Espírito Santo. Portanto, tudo o que temos ou é de Deus ou é prova e penhor do seu amor. Se perdermos esta consciência quando damos e também quando recebemos, desvirtuamos a sua essência e a nossa. De administradores solícitos de Deus (cf. Lc  12, 42), tornamo-nos escravos do dinheiro (cf. Mt  6, 24), subjugados pelo medo de não ter (v. 25), oferecemos o coração ao tesouro da falsa segurança económica, da eficiência administrativa, do domínio, de uma vida sem sobressaltos (v. 20).

Um ponto decisivo na nossa reflexão é ver onde o Senhor se oferece, dado que nos abre a porta para um caminho concreto. Desde a criação, o Senhor sempre se doou a nós, tomando nas mãos a nossa lama, o nosso pecado, a nossa inconstância, mantendo-se fiel apesar das reiteradas infidelidades de Israel, dos discípulos, dos apóstolos, com a sua encarnação, a sua cruz, os seus sacramentos. Deus dá-se, numa palavra, no meio do seu Povo. A nossa doação não pode deixar de ter em consideração esta verdade inelutável, que sabemos ser certa também na nossa história pessoal e comunitária. Por isso, não evitemos os cegos, os que jazem à beira do caminho, quantos estão cobertos de lepra ou de miséria, mas peçamos ao Senhor que sejamos capazes de ver o que os impede de enfrentar as suas dificuldades (cf. Lc  7, 5).

Vejamos, pois, as perguntas: como e quando o Senhor se dá ao seu povo? É muito simples: sempre e totalmente. Deus não impõe limites, pecamos mil vezes, Ele perdoa-nos mil vezes. Espera na solidão silenciosa do Tabernáculo que voltemos a encontrá-lo, implorando o nosso amor. Na sagrada Comunhão, não recebemos um pedacinho de Jesus, mas Jesus inteiro, em corpo e sangue, alma e divindade.  É o que Deus faz, chegando a tornar-se pobre por nós, para nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2 Cor  8, 9).

Portanto, podemos concluir que a gratuidade consiste em imitar o modo como Jesus se oferece por nós, seu Povo, sempre e totalmente, não obstante a nossa pobreza. E porquê? Por amor! Porque, como diria Pascal, o amor tem razões que a razão desconhece, «é paciente, é benigno…; não é invejoso, não se vangloria, não se ensoberbece, não desrespeita, não procura o próprio interesse, não se irrita, não tem em conta o mal recebido, não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta» (cf. 1 Cor  13, 4-7). O amor não tem agenda, não coloniza, mas encarna-se, torna-se um de nós, mestiço, para renovar tudo (cf. Ap  21, 5).

Por isso, o esforço não é inútil, pois tem uma finalidade. Oferecendo-nos assim, imitamos Jesus que se entregou para salvar todos nós. Abraçar a cruz não é sinal de fracasso, não é esforço vão, é participar na missão de Jesus de levar «a boa nova aos pobres, de proclamar a libertação aos cativos e a recuperação da vista aos cegos, de libertar os oprimidos» (Lc  4, 18). Significa tocar concretamente a ferida daquele irmão, daquela comunidade que tem um nome, um valor infinito para Deus, para lhe dar luz, fortalecer as suas pernas, purificar a sua miséria, oferecendo-lhe a oportunidade de responder ao desígnio de amor que o Senhor tem para ele, pedindo de joelhos que, chegando aí, Jesus encontre a fé naquela terra (cf. Lc  18, 8).

Prezados irmãos e irmãs, confio os vossos trabalhos à Virgem Santíssima, que vos guie como fez com os servos nas bodas de Caná, para que chegue a todos o vinho novo que o Senhor nos promete. Que Jesus vos abençoe. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim!

São João de Latrão, 26 de fevereiro de 2024

FRANCISCUS

Fonte: A Santa Sé